domingo, 28 de dezembro de 2014

Mérito


Vez em quando, quando menos vês, é um revés, uma bênção talvez. Que há males que vem para o bem, há, também, o que se anseia e não vem. A vida é um ensaio de presentes expectativas e futuras frustrações e passados rememorados onde mergulhamos e suspiramos afogados. Abrir os olhos e ver que o presente é futuro e é pretérito. Vivê-lo é nosso único mérito.

Anna Valentina
 

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

I Saudade


Dizia que "Tudo bem", mantinha aquém, porém, descuidada, deixava escapar pelas bordas dos olhos a saudade de um alguém. E que saudade mais atrevida, quisera ser mais comedida. A menina das ancas magras dança sozinha quando acha-se perdida. Cansa. Se rende. Escorre lentamente. Não sabe como conter o beliscar no coração. Saudade é desalinho que sucumbe devagarzinho. Quisera não tê-la alimentado de antemão.

Anna Valentina

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Descabido


Tenho descabido em muita coisa que um dia me coube. Feito uns calçados que não mais me servem, há uns sonhos que não mais me sorvem. Certas expectativas deixaram de se criar, murchando feito um canteiro que se deixou de regar. E não há o que se possa fazer a não ser deixar que passe, deixar para trás, para o passado, para o ontem, para o que não volta mais.

Anna Valentina

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Pensamentos


Há vezes que os pensamentos me incorrem e correm, fazendo do meu tempo diminuto minutos mal gastos. Encurtando possibilidades e precipitando vontades. Há vezes que me sorvem na mais profunda desordem. Percebo ser uma infinidade comporta num corpo finito e frágil, pegando pedágio. Descubro não ser quem pareço. Esmoreço. Intento desapegar-me do que perdi, do que ficou, do que há de partir. Desapareço. Já não me sei lúcida pois tudo, contudo, é dúvida. Se real ou sonho, talvez eu que não saiba diferenciar. Não sei se meus pensamentos vivem em mim ou se vivo eu em meu quimérico mundo particular. 


Anna Valentina

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Confusa



Quê é que tanto me repercutis? Nem sei por onde andas, por onde deitas, com quem se deitas, no entanto, você está comigo quando me deito e quando me acordo tu és minhas lágrimas matinais, és a cobiça dos meus desejos carnais. E enquanto finjo prestar atenção no caminho, me roubas o tempo, meu percurso se perde num descaminho. Estou perdida, confusa com a tua presença inanimada que me leva a duvidar da veracidade das minhas lembranças, me dóis, me alcanças, me lanças à falta da esperança de outra vez te ver. Fostes um sonho? És um sonhos que vez em quando não me deixa dormir, vez outra és pesadelo e não partes, nem me deixas ir.


Anna Valentina

Um medo


Sabe do que eu tenho medo? Tenho medo que o tempo não dê, que tanta prudência me deixe a mercê, e quando se perceber, cadê? Aprendi a ser paciente, de uma paciência atenta, diligente. Mas não vejo a hora de dizer e há sempre mais do que se crê para se dizer.
Quem disse que o essencial não se diz? O essencial é indizível? Porém, que terrível quem não o tenta demonstrar, que o deixa passar, que o esquece, amadurece e apodrece na cautela de só se pensar. E quem só pensa, só pensa, e agoniza até deixar morrer. Sentimento morrido também pesa, desde uma amizade cadáver a um amor falecido. Ambas exalam o odor da dor. Arraigam no coração e onde se enterrou nada mais se cria. Vira terra infértil de alegria.
Então, não deixo de tentar dizer, demonstrar, dou o braço a torcer, há certos tipos de jogos que é preciso perder para se ganhar. Portanto, me perdoe por me perdoar, me perdoe por não deixar de falar, me perdoe por sentir e transbordar, não estou a bordo, eu sou mar, me permito ser, por isso transbordo, por assim dizer.

Anna Valentina

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Ânsia


O quão severo pode ser o querer, o desejar e a improbabilidade do obter? Que espera é sinônimo de ânsia e a cada incerteza nós andamos até a beira do desespero, avistando o abismo sem conseguir se atirar, porque de alguma forma a sensatez te segura ainda que a vontade seja de se jogar. E tudo torna-se vão, vago, andamos na rua sem notar que a vida passa brevemente ao nosso lado e não conseguimos a enxergar.

Anna Valentina

Tive vontade


Tive vontade de me afogar, submergir no inconsciente mais profundo de qualquer lugar, vontade de me esquecer e desaparecer. Tive vontade de voar, transpassar todas as nuvens e a atmosfera que tivesse de enfrentar. Tive vontade de gritar, esbravejar, esgotar todo o fôlego em tentativa de me fazer ser ouvida. Tive vontade de chorar e esvair-me junto as minhas lágrimas até secar. Contudo, mantive-me impenetrável, intransparente, meus olhos são silenciosos e meus lábios sorriem como os convém.

Anna Valentina

Quisera


É tanta precaução, tanto medo da sofridão. São tantas palavras comedidas e medidas pela autoproteção. É a injúria que o viola o desejo do coração. É precaver-se de racionalidade sem qualquer razão.
Quisera dizer mais Sim do que Não. Pudera ser, ter, fazer e não temer a opressão. Permitira-se sonhar, só por sonhar, sem os pudores que o medo das dores trarão.

Anna Valentina

Instantes


Somos meros instantes, estamos em meros conflitos, distantes. Diante da nossa incapacidade de ser uma constante. De repente, não mais que de repente, mudamos, nos perdemos e em outros nós nos achamos. Somos fragmentos, somos muitos, somos quem quisermos ser, somos o que não queremos ver. E sofre quem não entende a fatuidade, veja bem, meu bem, o Para sempre é mera formalidade.

Anna Valentina

Breve caso


Foi só um caso, talvez nada além de um breve acaso, tão abreviado por aquela noite curta, por aquelas horas apressadas que pareciam ter como intento primor nos separar, como se soubéssemos ser um par. Nossos braços se tiveram por tão curtos entrelaços. Nossos lábios se uniram por minutos tão escassos. Sim! Te exclamei em pensamento quando me convidaste a ir contigo, mas a realidade me tornara tão irremediavelmente sensata e me entregar a ti, me entregar ao desejo lancinante da ventura, seria, talvez, um equívoco delicioso, porém, de um desenlace pouco prazeroso. Que pra lá do depois, desses sorrisos acompanhados, desses calores trocados, desses olhares emaranhados, eu sei, tu sabes, nós sabemos bem do depois, do depois que não existe, em que não existimos nós, mas que nos insiste em evocar os instantes a sós.


Anna Valentina