terça-feira, 31 de março de 2020

Palavras


Por ora ainda me pairam certas dúvidas, quisera que tudo fosse resoluto. Mesmo no exercício de ser o mais claro, o mais inteligível e límpido com as palavras, sempre vai haver o que se escape. Afinal, nem tudo pode ser dito, ou deve ser dito, não!? Porém, as obviedade verbalizadas tornam-se raras àqueles que as escutam. Gosto de pensar que fui óbvia, mesmo nos meus excessos, ainda que sob a reputação de louca, melindrosa, ruidosa, ah, dane-se! Hei de não morrer engasgada e nem afogada na deglutição de certas profissões. Contudo, quando não posso sonorizar o que quero para quem quero, aprendi a pôr em palavras, embora as conte unicamente para o bloco de notas ou o caderninho de cabeceira, intimamente, conforta-me que estejam materializadas e não morrerão comigo e nem assombrarão os sicranos e nem os fulanos, a quem ficou pendente.




Anna Valentina


domingo, 22 de março de 2020

O que acaba


As forças parecem se acabar. Parece? Acabam? Quais forças? Não me recordo ao certo em que momento a tristeza deixou de fazer sentido, nem de ser sentida. A vida parece que amenizou, no mínimo, esvaziou. Nada me é de tanto apreço que não pareça preciosismo. O que se perde já não faz tanta falta, questiono-me se, de fato, falta. Talvez nossas perdas não passem de devoluções de empréstimos, pois a posse tem tudo de ilusório, ainda assim se faz velório para o que, inevitavelmente, vai, se esvai, acaba. Que tudo que começa é feito para acabar, sem aviso prévio, mesmo em meio ao estopim. Viver é um preparar-se diariamente para o fim.



Anna Valentina

quarta-feira, 18 de março de 2020

Amor?


O amor?
não, o amor não é tudo…
Quiça fosse o que gostaríamos que fosse
ou que deveria ser
Talvez tenha sido o que nos dissemos que era
suficiente
Que o amor desperta nossas maiores virtudes
Ah, se desperta!
nos diz o melhor de nós
Mas amor…
no pornô, no ócio, na insônia, na bíblia
na infâmia, na cama, na doença, na lama, na desavença…
não basta
e gasta.
Amados vão embora
amores abandonam
amantes odeiam
odeiam
pois os sentimentos mais intensos
tendem a ambivalência
e a falência
Quem ama esquece
quem ama briga
quem ama, às vezes, não lasciva
quem ama acovarda
insatisfaz
Quem ama, às vezes, só ama
e nada mais.



Anna Valentina

Partidas


Me pego a ir embora, são pontos finais que às vezes parecem reticências, mas que ao virar a esquina são becos sem saídas, inóspitos e vazios. Eu costumo partir por injustificativas, quando as mutilações passam a doer demais, porque quis caber, porque fiz malabares com escassez e me percebi pouco apta ao circense. Chorei em terra infrutífera e beijei desencantos, até entender que minha ânsia por partir é parte que me compõe. O meu lugar é na ida, nos fins que se entrelaçam, nas palavras saudosas e nos cheiros nostálgicos carregados na nuca. Quem vive de ir-se embora é quase que crepuscular, fulgaz e anódino.


Anna Valentina