terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Relação

Das imprecisões as quais estão submetidas as narrativas, não quero ser a única no exercício de torná-las possível, ser o empurrar único em vias que precisam ser dupla. Me gastar sozinha para que o riso se solte e a prosa fresca se faça voluntariosa, tendo que labutar na corda bamba das minhas inseguranças para o entreter do pouco caso, do pequeno esforço, ou mesmo da capacidade deficitária nunca trabalhada em se relacionar. Para quê? É autoflagelação questionar-se ciente da razão? Não que eu esteja correta sobre tudo, afinal, a narrativa é imprecisa e o caos é o filho primogênito da relação.



Anna Valentina

quarta-feira, 12 de maio de 2021

Colapso

Eu estava louca! Feito estivesse entorpecida pelo efeito dissociativo de delírios nervosos via medicamentos duvidosos, a mercê da colateralidade de todos os meus distúrbios mais férteis, dos traumas infantis mais severos e desilusões de maior desamor. E sempre que me encontro nesse desencontro com a realidade, em que a lucidez me parece algo tão distante da minha capacidade de rememorar, pondero, me lanço num dissabor infantil abraçada pelas cobertas, feito pudesse voltar ao útero, ou mesmo ter a impressão parca de estar dentro dele novamente. Caio num sono cansado. Não choro. Não lamento. É um tormento silencioso que me leva a esse estado neutro, onde tudo deixou de fazer sentido para, conseguintemente, deixar de se sentir. Eu desperto com a certeza de que partir é o único acalanto, minhas horas vagam junto a sutileza de já não ter saudades de existir.

 

Anna Valentina

quarta-feira, 5 de maio de 2021

Maus hábitos


O que me descompassa os ânimos são essas tropicadas quase que arbitrárias conforme a musica toca e eu sou seduzida a deslizar os pés sobre a mesma ladainha enfadonha e romântica da meninice. Me pergunto se meus meses de análise são incapazes de atenuar ao menos a miséria da vergonha que na cara me bate, mas que deveria, decerto, me esbofetear. Me canso de tentar explicar o que é autoexplicativo: eu sou uma otária que ainda põe a culpa na vênus em peixes por autocomiseração. Perdoem meus excessos, quem sabe dê certo numa próxima encarnação.


Anna Valentina

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Incorrespondido


Gastei muitos dos meus dias em profusas narrativas delirantes, que rebobinavam a cada novo encontro, feito encenasse o mesmo papel em diferentes contextos e repetisse as mesmas falas enfadonhas. Existe toda uma cronologia pouco óbvia mas tão ordinária quanto as pieguices românticas numa cena de amor insuficiente, daqueles que nós costumamos chamar de incorrespondidos, mas que, no fundo, não se correspondem em intensidade e intencionalidade, porém, que se cruzaram em dado momento, hora, segundo e olhar, amores que coexistiram simetricamente - se é que isso seja capaz - mas num espaço e tempo pouco provável e escasso de se tornar material. As conexões só dão certo quando as fantasias se espelham, mesmo que em reflexos borrados e astigmáticos. O amor está diretamente condicionado a fantasia e sua capacidade em integrar o outro nela, àqueles que não cabem resta essa repetição eterna de conexões insuficientes, escassas, apoucadas, delirantes e piegas.


Anna Valentina

Sorriso



A inevitabilidade do sorriso que acompanha a tua voz radializada pelo auto-falante do celular, que achego ao pé do ouvido quase como um chamego sonoro, me diz mais que qualquer enunciado vulgar na tua pronúncia. É dilema de enamoro, calcanhar de Aquiles; é denúncia.  


Anna Valentina

terça-feira, 31 de março de 2020

Palavras


Por ora ainda me pairam certas dúvidas, quisera que tudo fosse resoluto. Mesmo no exercício de ser o mais claro, o mais inteligível e límpido com as palavras, sempre vai haver o que se escape. Afinal, nem tudo pode ser dito, ou deve ser dito, não!? Porém, as obviedade verbalizadas tornam-se raras àqueles que as escutam. Gosto de pensar que fui óbvia, mesmo nos meus excessos, ainda que sob a reputação de louca, melindrosa, ruidosa, ah, dane-se! Hei de não morrer engasgada e nem afogada na deglutição de certas profissões. Contudo, quando não posso sonorizar o que quero para quem quero, aprendi a pôr em palavras, embora as conte unicamente para o bloco de notas ou o caderninho de cabeceira, intimamente, conforta-me que estejam materializadas e não morrerão comigo e nem assombrarão os sicranos e nem os fulanos, a quem ficou pendente.




Anna Valentina


domingo, 22 de março de 2020

O que acaba


As forças parecem se acabar. Parece? Acabam? Quais forças? Não me recordo ao certo em que momento a tristeza deixou de fazer sentido, nem de ser sentida. A vida parece que amenizou, no mínimo, esvaziou. Nada me é de tanto apreço que não pareça preciosismo. O que se perde já não faz tanta falta, questiono-me se, de fato, falta. Talvez nossas perdas não passem de devoluções de empréstimos, pois a posse tem tudo de ilusório, ainda assim se faz velório para o que, inevitavelmente, vai, se esvai, acaba. Que tudo que começa é feito para acabar, sem aviso prévio, mesmo em meio ao estopim. Viver é um preparar-se diariamente para o fim.



Anna Valentina